A racionalidade marcial (理拳 liquan) como operador da luta: contribuições conceituais de uma etnografia do taijiquan da família Chen, no Brasil.
Gabriel Guarino de Almeida

Capítulo do pesquisador Gabriel Guarino de Almeida, em contribuição ao livro "Da Luta/On Fight.", coordenado por Constantino Pereira Martins e Alexander Meyer Luz, e publicado pela editora AFDLP - Associação de Filosofia do Desporto em Língua Portuguesa.

 

Resumo: 

Nesta comunicação, apresento o conceito de 理拳 lǐquán / racionalidade marcial a partir da minha etnografia da aprendizagem do Taijiquan da Família Chen (陈氏太极拳 Chénshì tàijíquán) na diáspora chinesa da cidade de São Paulo. Em sentido próprio, o termo 拳理 quánlǐ alude aos “princípios e fundamentos” expressos nos movimentos da arte marcial chinesa, nomeando simultaneamente uma estratégia de combate e um padrão para o movimento. Nos tratados teóricos internos à comunidade do taijiquan, fortemente influenciados pelo neo-confucionismo chinês (especialmente o 理学 Lǐxué dos irmãos Cheng e Zhu Xi), a noção de 理 li aponta para a racionalidade própria de um 拳 quan (sistema de luta), algo que pode ser percebido e intuído por um observador, ao mesmo tem que experienciado e mobilizado por um lutador. Formulados como “princípios e fundamentos”, seriam então a contraface da técnica corporal, em um jogo de virtual-atual: neste modelo, uma técnica de luta ou postura (式/势 shì) se apresenta como atualização de um padrão corporal e estratégico, que por sua vez só é conhecido e experienciado por meio do movimento. Partindo da etnografia na qual este conceito emerge, desenvolvo a comunicação em três eixos. Primeiro, apresento o regime de aprendizado do Chen Shi Taijiquan na Escola Chenjiagou de Taijiquan Brasil, enfatizando a “pedagogia dos princípios e fundamentos” como dado central para compreensão das atividades naquela comunidade de prática. Argumento que a categoria nativa 拳理 quanli, formulada enquanto “princípios e fundamentos”, é um operador dessa arte marcial chinesa, ao mobilizar movimento e estratégia como aspectos contínuos de uma educação da estesia centrada na integração corpo-mente e continuidade entre ação-compreensão e vida comunitária. Em um segundo momento, sigo tal pedagogia para analisar este taijiquan como um caso da cosmotécnica chinesa, enfatizando como o conceito de quanli se relaciona com as proposições de Yuk Hui sobre a dialética 道/器 (Dào/qì) no cosmos chinês. Mobilizo a conceituação de Hui para pensar a aprendizagem da técnica corporal de luta em sua gênese da pessoa aprendiz. Como terceira etapa, proponho o conceito de racionalidade marcial a partir da elaboração de 理拳 liquan: uma inversão da categoria nativa 拳理 quanli, proposta para explorar seus desdobramentos analíticos. Trata-se, argumento, de um conceito que busca operar a arte marcial como uma via que aproxima e borra a diferença entre sabedoria e conhecimento, corpo e mente, padrão descritivo e qualidade de movimento, capaz de fornecer novas ferramentas de descrição e análise nas pesquisas sobre lutas e artes marciais.

Edição, volume, número
1 ed.
Ano
2025
Editora
AFDLP
Páginas
285-331
ISSN/ISBN
978-989-35970-2-6